Frei José

Pinceladas da vida de Frei José Wulff

    Batizou-se com complicado nome alemão: Joseph Wulff Haverkemper.
    Tinha mão trêmula que lhe causava dificuldade para segurar caneta que, naquela época, tinha na ponta uma pena que precisava de ser molhada na tinta do tinteiro; para facilitar, resumiu sua assinatura para Frei José Wulf.
    Quando chegou ao Brasil, fugindo da 2ª guerra mundial,  foi morar no Colégio dos Padres Dominicanos, em Juiz de Fora e, de lá, o Sr. Bispo Dom Justino o mandou para a Paróquia de Liberdade onde estaria bem protegido, pois entrou no Brasil sem “visto” no passaporte.
    Foi pároco em Liberdade durante 21 anos e era tão estimado que até pessoas não católicas o chamavam pelo carinhoso nome de Frei José, Padre José ou, apenas, Frei.   Era considerado como pessoa de vida santa; ao passar por ele os homens sempre tiravam o chapéu em sinal de respeito e pediam-lhe a bênção (naquele tempo era comum homens usarem chapéu a qualquer hora).
    Nunca mais voltou à Alemanha, sua terra natal e nem recebia visita de qualquer parente, pois dizia haver perdido todos na guerra!!
    Não falava em português direito, mas por haver estudado na Universidade de Salamanca, na Espanha, sabia bem o espanhol, por isso sua pronúncia era sempre em “portunhol” (mistura de português com espanhol)
    Todavia, sabia francês com perfeição e inglês com suficiência...
    Tinha imenso amor ao Santíssimo Sacramento. Sempre havia na igreja matriz bênção do Santíssimo, com altar cheio de velas acesas (tudo com cantos em latim).  Em “Corpus Christi”, como ele tinha corpo e mãos sempre trêmulas, fazia a procissão do Santíssimo Sacramento pelas ruas, em cima de algum carro adaptado, mas se ajoelhava durante a procissão inteira... (há fotos disso..)
    Suas missas eram celebradas com piedade tamanha que quando pronunciava as palavras da consagração, parecia estar falando com anjos: dizia, em latim, palavra por palavra.  Se algum barulho quebrasse o profundo silêncio, ele começava tudo de novo...  Levantava a hóstia com tanto carinho que parecia ter medo de estar machucando Jesus!... Não terminava a Missa antes de rezar com o povo na intenção do Papa um mistério do terço e dez invocações: “Sacratíssimo Coração de Jesus, eu confio em vós!...”
    Outra força dele era Nossa Senhora; fazia questão de que o mês de Maio - mês de Maria - fosse celebrado com reza do terço e ladainha cantada, todos os dias, com apresentação de meninas vestidas como se fossem pastorinhas.... (como referência aos três pastorzinhos de Fátima)
    Quando alguém o procurava com alguma angústia, sempre dizia “confie na Virgem Maria; ela lho ajudará...” E ajudava mesmo!
    Embora sem saúde, tinha prazer de montar a cavalo e viajar duas, três e, às vezes, quatro horas para “celebrar missa” em fazendas. Conheceu-se um fazendeiro que tinha na fazenda o cavalo mais manso já reservado no pasto para as viagens do padre.
    Era tão desapegado das coisas materiais que suas camisas eram feitas de sacos de farinha, costurados por senhoras voluntárias. Quando ganhava alguma roupa nova (camisa, calça) o primeiro pobre que pedisse levava para casa... Seus óculos estavam sempre quebrados e remendados com esparadrapo... Seus sapatos estavam sempre com calcanhar amassado... Não gostava de fotos, a maioria foi tirada de surpresa...  basta olhar as fotografias pra se ver a simplicidade dele... Seu cabelo no estilo “franjinha” não precisava de pente; era arrumado com as mãos...
    Dava tanta importância aos sacramentos que só batizava se os pais pusessem nome de santo na criança e se alguém se recusasse ele mesmo escolhia um nome, na hora. Por isso, dentre pessoas batizadas até 1960, tantas se chamam Maria, José, José Maria, Maria José, Antonio, Sebastião, Francisco, Geraldo, Conceição, Aparecida, Terezinha, Paulo, Pedro,Pedro Paulo, João, Ana, Luiz, Tadeu, Benedito...
    Naquele tempo não havia dízimo organizado e o sustento dos padres vinha de espórtulas e gratificações de missas, casamentos, batizados: então, quando alguém perguntava: “quanto é... sô vigário” a resposta já vinha decorada:” dê quanto podes....” Azar dele, pois algumas pessoas diziam o conhecido” depois eu acerto com o senhor...” e outros, ainda que bem de vida, davam-lhe só uma gorjetinha!  Mesmo assim, quando regressava à casa paroquial, já encontrava alguém esperando na porta para pedir ajuda. Ali mesmo o dinheirinho só mudava de bolso; ia direto para o pedinte e frei José ficava sem nada!
    Almoçava quase nada: sopa de nabo, de aipo, de alcachofra...     essas coisas de que alemão gosta...
   Jantava?!. Se tivesse sobrado algum trocadinho, mandava comprar mortadela e comia com pão amanhecido... Se não tivesse dinheiro, dormia de estômago vazio.... Como agüentava!?... Deus dava jeito....
    Morreu em maio de 1960, depois de muito sofrimento e santa resignação lá no hospital de Cruzília. Conta-se que, na hora de seu falecimento, a Capela do Hospital de Cruzília e a Capela do Santíssimo, em Liberdade, ficaram, de repente, cheias de perfume de rosas ...
    Foi enterrado dentro da igreja e, 40 anos depois, em dezembro 2000, seus ossos (resto do crânio e de um fêmur) foram retirados do chão e colocados numa pequena urna encravada na parede do Santuário,  ao lado da sacristia, atrás de uma placa posta como marco histórico da passagem para o 3º Milênio da Era Cristã.
    Comentavam entre si os antigos: Frei José não é só um padre; é um santo!!   Que assim seja, um dia.... (Digamos nós!)

            (Texto escrito pelo paroquiano e ex-coroinha José Cunha de Campos, em maio de 2015, 160º aniversário da Paróquia, 10º ano da elevação a Santuário Arquidiocesano, 55º aniversário da morte de Frei José Wulff)