Conversão: Ato que Liberta
Um dos movimentos da alma humana na Quaresma deve ser a revisão de vida. Por ela se enxerga o que de bom já se realizou e percebe-se o que existe ainda de omissão ou de erros que precisam ser corrigidos. Ao fiel, resta a confiança em Deus, para empreender, com humildade, o caminho da conversão, não obstante cruzes que isso possa significar.
Na experiência do povo de Israel, segundo as narrativas bíblicas, encontram-se fatos e reações importantes que ajudarão no processo de transformação interior. No Monte Horeb, Moisés experimentou a bondade e a beleza de Deus. Na solidão das alturas geográficas, vê uma sarça que arde em fogo, mas não se destrói. Ouve uma voz que lhe diz: “Não te aproximes. Tira as sandálias, pois o chão que tu pisas é sagrado”. Com coração palpitante, diante do inaudito, ouve a revelação: “Eu sou o Deus de teus pais, de Abraão, de Isaac e de Jacó” (Ex 3, 6). Sentiu em si o mesmo que dizer: ‘sou Deus fiel que não se esquece de seus amigos do passado nem do bem realizado. Sou perene, perpétuo e pronto para fortalecer aquele que segue os meus mandamentos’.
Por este episódio, descobre-se que há um solo sagrado a ser pisado pelos pés humanos, tão frágeis, marcados pelos descaminhos do pecado, pelas infidelidades contra o boníssimo Deus. Aprende-se que há distância entre a frágil criatura e a fortaleza eterna do Criador, porém que não impede a misericórdia e a bênção regeneradora. Tirar as sandálias significa desfazer-se de suas coisas terrenas, rever por onde seus pés andaram e voltar a pisar em solo seguro. Converter-se significa aproximar-se do sobrenatural até o ponto que seja permitido pela natureza das coisas e as diferenças dos seres, e sentir o calor luminoso de Deus, que queima, mas não destrói. Exige, mas não derrota.
A conversão toma contornos de perfeição quando Deus se aproxima dos seres humanos, enviando Seu Filho para indicar a estrada da verdade. Ele morrerá na cruz em lugar dos pecadores, mas exigirá conversão, como afirma, exemplificando com desastres que causaram mortes de inocentes: “Se não vos converterdes, morrereis todos do mesmo modo” (Lc 13, 1-3).
Cristo apresenta ao pecador um Deus paciente que é capaz de aguardar três anos e mais um para que a figueira dê frutos (cf. Lc 13, 8). Porém, o processo de conversão requer ato de decisão, pois sua misericórdia não pode ser confundida com licenciosidade, como ensina a Sagrada Escritura: “Não digas: ‘Pequei: o que me aconteceu?’ porque o Senhor é paciente. Não sejas tão seguro do perdão para acumular pecado sobre pecado. Não digas: ‘Sua misericórdia é grande para perdoar meus inúmeros pecados’, porque há nele misericórdia e cólera e sua ira pousará sobre os pecadores. Não demores em voltar para o Senhor e não adies de um dia para o outro, porque, de repente, a cólera do Senhor virá e no dia do castigo perecerás” (Eclo 5,4-7).
Chiara Lubich escreveu: “O perdão não é esquecimento (…), não é fraqueza (…), não consiste em afirmar que não tem importância aquilo que é grave, ou bom aquilo que é mau (…), não é indiferente” (C. Lubich, Costruire sulla Roccia, Città Nuova, Roma 1994. Citada em Palavra de Vida- Março 2019).
Converter-se é tomar novo caminho, subir a montanha da superação, é corajosamente renunciar ao erro e abraçar a salvação. Deus espera o retorno do contrito e lhe falará amorosamente na sarça ardente do solo sagrado. Afinal, “há mais alegria no céu por um só pecador que se converta, que por noventa e nove justos que não precisam de conversão” (Lc 15, 7).
Converter-se é o mesmo que libertar-se.
Dom Gil Antônio Moreira
Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora